A Importância do Estudo de Sprites e ELTs no Brasil e no Mundo
Desde o alvorecer da humanidade nós nos sentimos intrigados pelo modo como fontes de energia solar e extra-terrestres afetam o nosso planeta. O processo pelo qual o esses fluxos de energia interagem com o campo magnético da Terra, impactando a camada mais externa do planeta, a Magnetosfera, e é transferido “para baixo”, para a Ionosfera, e consequentemente para as camadas atmosféricas neutras mais baixas, têm cativado pesquisadores por várias décadas e se tornaram áreas de pesquisa bem estabelecidas.
Nos anos 60, o primeiro mecanismo de transporte “para cima” de energia produzida na camada atmosférica mais baixa, a Troposfera, foi descoberto na forma de ondas de gravidade. Os sistemas meteorológicos de tempestades, subproduto da energia solar, são as fontes mais significativas de ondas de gravidade, transporte mecânico de energia. Recentemente, em 1989, um outro processo de transporte “para cima” da energia de tempestades, dessa vez elétrico, foi descoberto e alguns anos depois denominado sprite. Desde então, novos tipos de transporte elétrico de energia para a alta atmosfera e espaço, associado às tempestades, têm sido descoberto a cada ano. Eles podem se reunidos em duas categorias: os Eventos Luminosos Transientes – ELTs; e as Emissões de Alta Energia de Nuvens de Tempestades – EAET, como os Flashes de Raios Gama Terrestres – FGTs, as emissões de raios-X, os feixes de elétrons, pósitrons e nêutrons, observados de satélite, instrumentação abordo de aviões (Figura 1), e do solo.
Figura 1 À direita, distribuição global de relâmpagos observados pelo OTD (Detector Transiente Óptico) abordo de satélite (cortesia Dr. Hugh Christian, MSFC/EUA). No meio, distribuição global de ELTs observada pelo ISUAL (cortesia Dr. Stephen Mende, UCB/EUA). À esquerda, distribuição global de FGTs observada pelo RHESSIS (cortesia Dr. David Smith, UCSC/EUA). A distribuição de relâmpagos, ELTs e FGTs estão subestimadas ou indisponíveis na América do Sul devido ao desligamento dos satélites ao passarem pela Anomalia Magnética do Atlântico Sul (AMAS), região de alta precipitação de partículas energéticas no Brasil.
Observações de satélite de ELTs e FGTs em toda a Terra demonstraram que eles são fenômenos globais com implicações desconhecidas no balanço energético total do planeta. O grupo da University of Alaska Fairbanks – UAF, EUA, foi pioneiro em explorar esse aspecto global, realizando campanhas a partir de avião nas Américas Central e do Sul em 1995. Em 2002 documentamos os primeiros eventos a partir do solo e avião sobre o Brasil [Pinto et al., 2004]. Atualmente as novas observações do espaço com o experimento MEIDEX a partir do ônibus espacial Columbia em 2003 [Yair et al., 2004], e com o imageador ISUAL a bordo do satélite tailandês FORMOSAT-2, possibilitam o mapeamento da sua taxa de ocorrência no planeta. Os ELTs sinalizam a contínua ocorrência de mecanismos complexos de trocas de energia na média/alta atmosfera, envolvendo o acoplamento de diversos processos geofísicos como ondas de gravidade, química atmosférica, física de plasmas, interações entre a atmosfera neutra e a ionosfera e possíveis efeitos magnetosféricos. As emissões de alta energia por mecanismos associados a tempestades, pouco entendidos, mostram a capacidade da Terra de transformar as altas energias extra-terrestres, recebidas continuamente, em vida na superfície do planeta e processos de baixa energia relativamente bem entendidos, e de re-emitir para o espaço pulsos com energias comparáveis a explosões de supernovas, conforme os FGTs de dezenas de MeV observados pelo satélite RHESSIS.
O nosso país é uma das regiões com maior atividade de tempestades do planeta, e potencialmente uma das regiões do globo com maior produção de ELTs e FGTs. A energia total depositada na Mesosfera (~40–90 km) por um sprite, o mais importante dos ELTs, é estimada em 1-10 MJ [Sentman et al., 2003]. Medidas fotométricas determinaram que as emissões ópticas são menos de 1% do total, a maior parte da energia é depositada em estados eletrônicos excitados ou estados vibracionais e rotacionais não-radiativos (i.e. que não emitem luz) do N2 e O2, e.g. N2(A3?u+) e O2(a1?g), que podem iniciar cadeias de reações ou ciclos catalíticos por meio de interações com espécies minoritárias que de outro modo não ocorreriam. Utilizando um modelo com dezenas de espécies atmosféricas, Sentman et al. [2000] estimou um aumento de várias ordens de magnitude da densidade dos íons negativos CO3- e CO4- e dos hidratados positivos H+(H2O)3 e H+(H2O)2 acima de tempestades (70 km) seguindo um único relâmpago. Os efeitos, que podem persistir por 10s – 1000s, seriam significativos acima de uma tempestade ativa durante várias horas. Armstrong et al. [2001] relataram aumentos significativos da densidade de NO, catalizador do ciclo do ozônio, em 60-80 km de altitude, modelando ~9000 reações com ~400 espécies, e em ~35 km, utilizando observações do satélite UARS HALOE. Eles estimaram que a produção local de NO por sprites é mais de uma ordem de magnitude maior que a pelo mecanismo global atualmente aceito.
Milhares de sprites/ELTs foram documentados nos Estado Unidos e centenas foram documentados em outros países e continentes. Em torno de 800 ELTs (maioria sprites) foram documentados no Brasil durante as três campanhas científicas, internacionais, em 2002-2003, 2005 e 2006, realizadas até então. A taxa de ocorrência global de sprites é desconhecida, mas é estimada em 200 a 25000 sprites/dia. A incerteza, mais de duas ordens de magnitude, reflete diretamente a incerteza na taxa de deposição de energia na média/alta atmosfera, ~2x108 – 2.5x1011 J/dia, demonstrando a importância dos ELTs na dinâmica do sistema atmosférico e composição da média/alta atmosfera global, devido aos processos químicos por eles gerados.
No Brasil esses efeitos seriam acentuados devido à alta incidência de tempestades no país. A presença da AMAS, atualmente sobre o território nacional geraria ainda outros estudos, inéditos, possíveis apenas no país. Tudo isso demonstra a importância de estabelecer esta nova área pesquisa científica no Brasil, iniciada em 1999 pela coordenadora do grupo e desenvolvida pelo ACATMOS.